por Clarice Casado
Levei até um susto quando ele entrou na sala de espera do consultório esbaforido, terno cinza, gravata, mais de cinquenta anos, perguntando pela Doutora A. A secretária também deu um pulo na cadeira, porque o cara quase gritou.
Eu estava ali como estavam vários outros pacientes, lendo meu livro bem tranquila, e nem esperava aquela cena. Às vezes tenho a impressão que todas as coisas engraçadas ou inesperadas ou malucas só acontecem comigo, só para que eu tenha que escrevê-las depois, coisa de escritora maluca e metida a besta (!). Mas o homem já está a atazanar a vida da coitada da secretária enquanto eu ainda estou pensando nisso, e eu ouço, “Minha filha, eu sou o pai da fulaninha, paciente da Doutora Fulana, e estive em uma farmácia tentando comprar este remédio”. Mostra a receita à secretária e continua, “E o homem da farmácia me falou que o nome do remédio estava errado aqui na receita e que ele não podia me vender o remédio; então, resolvi ir embora e eu mesmo consertar o erro, e levar a receita a outra farmácia. Lá chegando, o funcionário me fala que não pode me vender também, porque há uma rasura na receita!”.
A essas alturas, a voz dele já estava exaltadíssima, o rosto meio vermelho, desafogou discretamente a gravata, e a coitadinha da secretária, muito delicada e magrinha, que trazia no olhar um misto de muita educação com perplexidade, disse, prontamente, “A doutora Fulana está em férias, senhor, mas vou pedir a outro médico da clínica que faça outra receita para o senhor, só que o senhor tem que esperar só um minutinho, porque ele está em consulta”, e o homem, “Está bem, minha filha, mas que seja muito rápido, porque eu não quero levar uma multa, estou parado em fila dupla! Ah! Mais uma coisinha, me faça o favor de mandar essa doutora melhorar a letra, viu? Isso é um absurdo!”. A secretária nem responde, só sobe as escadas voando para falar com o outro médico, enquanto eu, sentadinha no sofá, tento segurar o riso, procurando desesperadamente meu caderninho de anotações dentro da bolsa! “Melhorar a letra!”, essa foi de lascar, meu senhor!
Enquanto o homem bufa de raiva sentado no sofá à minha frente, começo a rabiscar o que agora vem a ser essa crônica, com um sorriso nos lábios e um olho de vez em quando no homem.
A secretária dá uma descidinha sem a receita, e o homem diz, “Ainda não? Pelo amor de Deus, eu vou levar uma multa, vamos logo com isso!”, e ela, “Senhor, ele estava em consulta e eu o interrompi para pedir sua receita, ele já a está escrevendo, já, já fica pronta”, e ele, “Bem, eu só espero que seja legível, tenha a santa paciência…!”. A simpática e magrinha secretária corre de novo escada acima, e desce em dois segundos já com a receita nova e com letra legível e impecável na mão. Entrega-a ao homem, que antes de sair, repete todo o sermão novamente, agora com requintes de crueldade, dizendo como haviam sido antipáticos os caras das farmácias, e do tempo que ele havia perdido, etc, etc. A secretária o informa que, se acontecer novamente, ele não precisa ir até o consultório, é só pedir que a farmácia telefone para a médica, que ela autoriza a venda do medicamento. “Ah, mas não vai acontecer novamente, de jeito nenhum, minha filha”, e completa, em tom “professoral”, “Melhorar a letra, melhorar a letra!!!”. E vai embora, esbaforido como entrou.
No momento em que saiu, explodimos, eu e ela, em riso convulsivo! “Melhorar a letra, que coisa engraçada, imagina, como se a médica fosse uma aluna de primeiro ano primário!”, era o que eu dizia à secretária, que também ria, agora aliviada. Sugeri a ela que comprasse caderninhos de caligrafia para todos os médicos, e os obrigasse a praticar diariamente, para evitar que reclamações como essa voltassem a acontecer…!
Fiquei pensando que até era de se entender o homem, já que tinha mesmo perdido grande tempo indo, voltando, mas o problema todo foi o tom absolutamente arrogante que utilizou, sentindo-se superior a todos. Foi uma cena ridícula, a verdade é esta, e impressiono-me a cada dia mais com a incapacidade das pessoas de serem gentis.
Mas o melhor da história foi quando, ao contar ao meu médico o acontecido da sala de espera, ouvi dele, “Puxa, logo a letra da Fulana, que é a melhor de todos os médicos da clínica…!”.