
por Marcella Marx
Maria ficava doente, cansada e triste às vezes. Ela subia na gangorra e era parte dela – a gangorra da vida, como gostava de chamar. Quando estava sentada na parte que subia, Maria se sentia feliz. Do ponto mais alto, respirava o ar que só lá mesmo se respira. O ar da liberdade e da ousadia. Quando a gangorra começava a pesar para o outro lado, Maria sabia que era hora de ser forte e respirar fundo, pra tentar guardar um pouquinho daquele ar para o caminho inverso – o porvir.
Maria descia com apreensão, afinal surpresas sempre a aguardavam – o que era bom e ruim. Lá em baixo, quando o banco de madeira tocava o chão, Maria gostava de olhar pra cima, pra saber o que estava perdendo, pra admirar os cabelos dançando ao saber do vento e pra sentir fundo a falta que ele lhe trazia. Maria, porém, e só aos poucos, começou a chamar sua própria atenção para as formigas, que ainda mais abaixo dela, cavocavam e construíam seus palácios de terra e ar.
Pra quê serve o remédio? pensava Maria. Se eu estou descendo é porque preciso descer, se não, não desceria?
Um dia, Maria estava na escola, numa aula que fazia com que os ponteiros do relógio quase parassem.
– Maria, vamos comigo até a enfermaria?
– Mas por quê? Você não está se sentindo bem?
– Estou com um pouco de dor de cabeça.
A amiga levantou a mão e pediu à professora se podia ir até a enfermaria e se Maria podia lhe fazer companhia.
– Podem ir, disse a professora.
As duas abriram a porta e saíram sorrindo. Assim que a fecharam, deram de cara com a enfermeira toda de branco e com semblante de poucos amigos.
– Onde as duas pensam que vão?
– A minha amiga Maria não está se sentindo bem, está com dor de cabeça.
– E você? O que está fazendo fora da sala?
– Eu vim só acompanhá-la, caso ela se sentisse muito mal.
– Pois pode voltar pra sua aula que eu cuido de Maria.
– Está bem, respondeu a amiga.
Em estado de choque, Maria seguiu a enfermeira até o quartinho apertado, onde ficavam a maca e o armário de remédios.
– Você está com dor de cabeça, né?
– Sim, mas está fraca, acho que se eu ficar quietinha passa, nem preciso de remédio.
– Vou te dar uma aspirina, assim passa mais rápido e você pode se concentrar melhor na aula.
Rapidamente Maria teve a ideia de não engolir o comprimido. Ia beber a água e guardá-lo em um dos lado da bochecha.
A enfermeira lhe deu o comprimido branco e um copo com água.
– Pode colocar na boca e engolir.
Maria nunca tinha colocado um comprimido na boca. Quando a água entrou, lavou tudo e levou o comprimido junto pra bem dentro dela – no meio de seu estômago.
Maria voltou pra aula inconsolada, quase chorando, pensando que tudo, tudo mesmo, junto com a aspirina tinha ido por água abaixo.
Do canto do olho lhe escorreram lágrimas.
Assim que bateu o sinal, Maria pediu permissão à professora para ir comprar uma ficha e ligar para sua mãe do orelhão que ficava dentro da escola.
– Pode ir, Maria.
Maria jogou a moedinha cinza pelo buraco do orelhão e ouviu os toques chamando.
– Alô!
– Alô, oi mãe. Aconteceu um problema grave; e as lágrimas de Maria se transformaram em enxurrada, conforme ela contava o acontecido à mãe.
– Maria, não se preocupe, é só uma aspirina, nada vai acontecer.
– Mas mãe, eu não estou com dor de cabeça, o que a aspirina vai fazer dentro do meu corpo?
– Ela vai se dissolver, ver que você não está com dor de cabeça e sair pelo seu xixi.
– Mas mãe, eu nunca tomei remédio, nem quando estou doente, o que meu corpo vai pensar? Ele deve estar assustado.
– Da próxima vez, você vai lembrar e aprender a arcar com as consequências do que você fala e faz. E não se preocupe, ninguém morre por tomar uma aspirina por acidente.
– E se eu for alérgica?
– Isso, nós vamos saber em breve. Volte na enfermaria se você se sentir mal. Beijo, filha, tenho que trabalhar.
– Beijo, mãe, tchau.
Maria desligou o telefone, engoliu o choro e voltou pra aula.