“Adoráveis Mulheres” é um romance de Louisa May Allcot publicado em 1868 que retrata a vida de uma família de classe média nos EUA durante o período da Guerra de Secessão. A história sempre teve um apelo muito grande: a versão de Greta Gerwig é a quinta feita apenas por Hollywood. A anterior (1994) tinha Winona Ryder no papel de Jo March. As anteriores são de 1978, 1949, 1933 e 1917 (!!). O livro também aparece como influência na cultura pop, por exemplo, na tetralogia napolitana da italiana Elena Ferrante.

Se essa história já foi contada tantas vezes, faz sentido contá-la mais uma? Foi a pergunta que me fiz antes de entrar no cinema. A pergunta foi respondida muito, mas muito rapidamente. O filme de Gerwig é maravilhoso. Um filme de época muito bonito. O diretor de fotografia francês Yorick Le Saux usa e abusa dos interiores quentes para nos passar uma sensação de conforto e aconchego enquanto as cenas externas têm uma luminosidade deslumbrante. A trilha sonora de Alexander Desplat lhe rendeu a sua décima primeira indicação ao Oscar (ganhou em 2015 por “Grande Hotel Budapeste” e em 2018 por “A Forma da Água”) e vibra junto com o filme.

O elenco tem atuações seguras de atrizes que estão sempre ótimas. É chover no molhado elogiar Laura Dern (Marmee March), Meryl Streep (Aunt March) ou Emma Watson (Meg March). No meio dessas estrelas todas, a atuação de Florence Pugh (Amy March) se destaca, lhe rendendo uma indicação a Melhor Atriz Coadjuvante. E, bom, não há como falar desse filme sem falar de Saoirse Ronan. A nova-iorquina de 25 anos chega à sua quarta indicação pela sua energética Jo March. O filme todo gira em torno dela e ela assume essa responsabilidade tranquilamente. Se o filme funciona (e funciona!), é por causa de Saoirse. Ela faz a gente torcer por ela mesmo quando Jo é teimosa feito uma mula, e nos faz sentir o que ela está sentindo através de um olhar ou uma torcida de boca.

Se o filme todo funciona e se as atuações (em especial de Ronan) se destacam, não podemos deixar de falar do trabalho de Greta Gerwig. A diretora sabia, desde o início, qual história queria contar e como queria fazê-lo. Ela nos conduz pela saga das irmãs March com idas e vindas (inclusive temporais) que não nos confundem, mas nos fazem entender e empatizar com as personagens. Ao escolher um caminho não condescendente (não há legendas avisando em que período temporal estamos), Greta não ofende a inteligência do público e faz com que tenhamos a sensação deliciosa de ir descobrindo as coisas por nós mesmos.
A não indicação de Gerwig a Melhor Direção escancara, mais uma vez, o problema de representatividade que vem incomodando Hollywood e em cima do qual devemos bater sempre que tivermos oportunidade. Além da direção de Greta Gerwig ser muito boa (chega a ser ridículo querer comparar com a do indicado Todd Hayes, por exemplo), ela é mais um trabalho feminino excelente que ficou de fora das indicações. Greta foi tratada como a representante das mulheres enquanto os trabalhos de Céline Sciamma (“Retrato de Uma Jovem em Chamas”) ou Kasi Lemmons (“Harriet”) não ficam atrás de vários dos indicados e poderiam (e deveriam) ter chamado mais atenção nas premiações.
Enfim, veja “Adoráveis Mulheres”, que é daqueles filmes de sairmos do cinema de coração quentinho e um sorriso no rosto. Um filme de fazer a gente se sentir bem em tempos que tanto tentam nos fazer nos sentir mal.