Capitã Marvel (Captain Marvel, Anna Boden e Ryan Fleck, 2019)
A Marvel começou sua escalada cinematográfica em 2008, quando o primeiro filme do Homem de Ferro entrou em cartaz e foi um grande sucesso. De lá para cá são onze anos e vinte filmes até, pela primeira vez, uma heroína ocupar sozinha os holofotes. Esse é o tamanho da importância de “Capitã Marvel” (Captain Marvel, Anna Boden e Ryan Fleck, 2019). E até por isso, era grande também o medo de que algo pudesse dar errado. Certa vez Patty Jenkins (Mulher Maravilha, Monster: Desejo Assassino) disse numa entrevista que projetos sobre mulheres e comandados por mulheres tem um compromisso muito grande, porque se derem errado por qualquer motivo o que vai ser apontado é que filmes de/com mulheres “não funcionam”. Num contexto de todo o sucesso do Universo Cinematográfico Marvel se o primeiro filme protagonizado por uma mulher fosse apenas mediano, isso poderia indicar um retrocesso muito grande. Felizmente não aconteceu. E a Marvel tomou cuidado para que não ocorresse.

Kevin Feige é o produtor responsável por todo o MCU. Quando ele e os seus executivos começaram a encarar a questão da diversidade no MCU havia que se escolher uma personagem feminina para estrelar um filme. Diferente da DC, a Marvel não tem uma heroína que seja _A_ heroína da editora. A Mulher Invisível, a Mulher Hulk, a Mulher-Aranha, Tempestade, Gamora… nenhuma delas nunca teve na Marvel o destaque e o protagonismo da Mulher-Maravilha na DC. Feige tinha que escolher alguém para ser a pôster girl. E a escolhida foi Carol Danvers, que não por acaso usa hoje o título de Capitã Marvel. Danvers foi criada por Roy Thomas e Gene Colan em 1968. Ela era então par romântico para o então Capitão Marvel, o alienígena Kree Mar-Vell (depois de Mar-Vell e antes de Danvers outras seis pessoas usaram o título de Capitã(o) Marvel). De lá para cá Carol ganhou poderes, tornou-se Miss Marvel, foi abusada, perdeu poderes, foi pirata espacial, tornou-se X-Woman, trocou de uniforme, fez parte de várias formações dos Vingadores, tornou-se Warbird e sempre foi uma personagem secundária. Isso começou a mudar em 2012, quando ela assume o manto de Capitã Marvel e a sua revista passa a ser escrita por Kelly Sue DeConnick, que reconstrói a até então confusa história da personagem e a coloca como uma peça central no Universo Marvel dos quadrinhos. Claro que essa iniciativa, consciente, já tem relação com o MCU: Para que um filme da Capitã Marvel fosse possível, a personagem tinha que se afirmar. E foi o que aconteceu.

O roteiro do filme baseia-se largamente nos quadrinhos de Kelly Sue DeConnick e no início do filme parece um pouco confuso. Talvez essa confusão seja proposital, uma vez que a própria personagem está confusa e em busca da própria identidade. Da metade para o final, no entanto, o roteiro (que também é de Boden e Fleck) se esclarece e fica muito fácil de acompanhar. O filme é uma história de origem, coisa que a Marvel sabe fazer muito bem. Para nos apresentar uma personagem nova, a Carol Danvers de Brie Larson, o filme recorre a personagens que já conhecemos (e gostamos): os agentes da SHIELD Nick Fury (Samuel L. Jackson) e Phil Coulson (Clark Gregg). O recurso utilizado para podermos ter nosso querido Agente Coulson de volta às telonas é o mesmo que responde a grande pergunta de antes do filme: se havia uma heroína tão poderosa onde ela esteve quando Nova Iorque foi invadida ou quando Ultron tentou acabar com a vida na Terra? A resposta é simples: o filme se passa nos anos 1990 e a ausência dela é tranquilamente explicada. A ambientação nos anos 90, aliás, é um dos materiais utilizados para construir o já famoso “humor Marvel” no filme. Há uma série de piadas e referências sobre os anos 90 que começam com a personagem despencando na Terra em cima de uma locadora de VHS Blockbuster e passam por roupas e cabelos, além da excelente trilha sonora que privilegia as mulheres dos anos 90. Alanis Morissette, No Doubt, Hole, TLC, Des’ree, Elastica, Salt-N-Pepa, Garbage e outras surpresas agradáveis apareceram na trilha e eu me senti numa 999, uma saudosa festa anos 90 que existia em Porto Alegre até algum tempo atrás.

Não há reparo algum a fazer ao elenco. Samuel L. Jackson como um Fury rejuvenescido digitalmente está completamente a vontade e parece ter se divertido muito durante o filme. Atores como Jude Law e Annette Bening entregam tranquilamente o que se espera deles. Lashana Lynch faz Maria Rambeau, a melhor amiga de Danvers e um “bromance” que estamos muito acostumados a ver no cinema, mas com homens. Ben Mendelsohn faz Talos, o Skrull, e tanto a sua atuação quanto a maquiagem/CGI do personagem estão ótimos. E aí há Brie Larson.

Brie Larson é uma atriz de 29 com um Oscar na prateleira. Não é pouca coisa. E a sua Carol/Capitã Marvel tem a profundidade e a tridimensionalidade que deveria. Algumas das críticas são visivelmente mais intencionadas, até porque não vemos ninguém pedindo que o Doutor Estranho “sorria mais” ou que o Homem Formiga “mostre mais pele”. A personagem não tem muitos motivos pelos quais sorrir, e é assim que Larson a interpreta. A atriz se envolveu em uma grande confusão ao pedir um pouco mais de diversidade não só no cinema, mas também na crítica cinematográfica, o que foi suficiente para uma horda de trolls tentarem sabotar o filme, baixarem notas em sites e pregarem boicotes. A resposta a essa minoria ruidosa foi dada pelas bilheterias: Capitã Marvel vem arrebentando e fez o segundo melhor fim de semana de um filme da Marvel (atrás apenas de Vingadores: Guerra Infinita), além de ter arrecadado U$ 500 milhões em menos de uma semana e estar se encaminhando para a marca de 1 bilhão de dólares (seria o quinto dos 21 filmes da Marvel a bater essa meta).

“Capitã Marvel” talvez não seja o melhor filme da Marvel, mas certamente figura entre os melhores. É divertido, tem boas cenas de efeitos especiais, tem personagens bacanas, tem uma trama que funciona. Como os filmes de herói, em geral, ele serve para darmos umas risadas, para nos divertirmos e para nos maravilharmos um pouco. E como todo filme da Marvel tem aquela ceninha pós-créditos para nos deixar esperando na cadeira enquanto as letrinhas sobem (e, no caso específico, para ficarmos com a respiração suspensa até “Vingadores: Ultimato” que chega em Abril!!).
PS: As gurias do Nebulla (um dos sites mais bacanas e menos tóxicos de cultura nerd que existem por aí) escreveram um texto bem bacana questionando por que filmes como “Capitã Marvel” são mais cobrados do que os outros e ele está aqui.